Confira a entrevista com Tiago Constante que saiu no Grito Coletivo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016



Tiago Constante: Pedrada na vidraça

Há quase 20 anos na arte São Chicana, Tiago Constante é o camaleão da nossa cena. Aquele que vai fundo, passeia sem medo de um estilo a outro, experimenta e se transforma naquilo que vira em cada coisa que faz. Artista completo, pois além de músico (guitarrista) e compositor, é ativo no que diz respeito às frentes que transformam, para melhor, nossa cultura. E ainda arruma tempo pra produzir e editar os próprios videoclipes e já produziu um curta-metragem. Na vanguarda da arte São Chicana, lançou em 2015 o EP Das Antiga, que já está na segunda tiragem. Ainda em 2015 teve outro ponto alto com uma grande apresentação no festival “Não Vai Ter Coca” (NVTC). Ele inicia o ano com novidades e nos conta o que pensa a respeito da sua arte e da nossa cena. Por Paulo Reis.

[Grito Coletivo] Você lançou seu primeiro EP no início de 2015, o que mudou de lá para cá?
[Tiago Constante] A produção do Das Antiga foi um processo longo e cansativo, visto que eu resolvi assumir a maior parte das funções. Claro que nunca se faz um disco sozinho, e tive parceiros que me ajudaram em diferentes partes do processo. Desde a composição e arranjos, passando por gravar a maioria dos intrumentos (só não gravei bateria porque não sei tocar rsrs), encarte , site, clipes. Enfim, cada tarefa dessas exige muita dedicação e parece que nunca vai ficar pronto. Gostei bastante do resultado sonoro e estético do disco, e a resposta do público também tem sido bem positiva.

Capa do EP Das Antiga (2015)
[Grito Coletivo] No período de pré-lançamento do seu disco, eu escrevi um texto falando que você é o grande e talvez o único músico que imprimiu os elementos naturais e culturais da ilha/praia nas composições, na história da música francisquense, você concorda? 
[Tiago Constante] Bom, eu vejo que essas referências aparecerem na minha música é uma coisa natural, visto que representa a minha vivência, então não teria nem como ser de outra forma. Eu considero inclusive que estas influências estão bem discretas, em função da escolha do repertório mais voltado pro blues. Quem me conhece a mais tempo sabe que tenho uma parte das composições com uma linha bem voltada para o som de praia. Eu não sou dos mais conhecedores da história musical de São Chico mas olhando as músicas que vem sendo produzidas nos últimos anos na ilha, temos algumas referencias bem explicitas à cidade e ao mar.

[Grito Coletivo] O seu EP foi um dos poucos materiais prensados até hoje na cena autoral São Chicana, como analisa hoje a façanha?
[Tiago Constante] Eu acho que foi um processo natural. Até gravar o Das Antiga, eu achava que ja tinha gravado ‘varios discos’. Mas na verdade, tinha só registrado diversas canções de forma caseira, por mais completos que ja fossem os arranjos, a qualidade das gravações era muito baixa. E mesmo nesses trabalhos eu já pirava nas capas e artes graficas. Mas tudo em casa. Quando resolvi finalmente ir para estudio e comecei a ver a diferença de resultado, foi natural que eu quisesse dar este salto de qualidade também na estética do disco e o CD físico fazia parte dessa evolução. Acabei optando por fazer uma tiragem pequena de 100 cópias, que foram vendidas/distribuídas em alguns meses. Agora estou na segunda tiragem, com alguns pontos de venda em São Chico. Eu não considero isso uma façanha, acho que é o caminho natural, mas que muitos não tem a persistência pra chegar no material prensado do jeito que tem que ser, visto que é bem trabalhoso e tudo é custo. Mas vejo também que isso serviu de incentivo pra outros artistas fazerem, cada um na sua maneira, o registro do seu som. No final das contas é isso que importa: o disco é um registro definitivo, palpável, real. Poucas vezes eu fiquei tão eufórico na minha vida quanto quando chegou a camionete da transportadora trazendo a minha primeira caixa de CDs. Fiquei alucinado, joguei um monte de discos sobre a mesa e comecei a fotografar, abri alguns pra ver se tinham vindo tudo certinho. Foi bem louco.

[Grito Coletivo] Seu processo criativo mudou de lá pra cá?
[Tiago Constante] Eu acho que o processo continua o mesmo: primeiro a inspiração, depois a transpiração. Na verdade eu acabei dando uma mudada de foco, porque junto com o disco veio a ideia de fazer clipe de todas as músicas, o que me levou para o audiovisual e animações. Foi outro processo muito enriquecedor como artista. Eu gosto desse lance de não se manter restrito a uma linguagem. No final das contas, me faltou pique para finalizar dois dos quatro clipes. Mas no meio dessas andanças acabei criando alguma coisa aqui outra ali. Agora, depois de um merecido descanso, estou voltando aos poucos a desenhar os próximos passos.

[Grito Coletivo] Você foi um dos poucos artistas francisquenses a se apresentar no Festival “Não vai ter coca” (NVTC), que já é considerado por muitos, um dos mais importantes na região norte e sem dúvida o maior e mais importante da cidade, tocará na segunda edição e qual o resumo da participação no primeiro?
[Tiago Constante] Foda. Muito foda. Essa é a denominação perfeita pra dizer o que foi o NVTC pra mim. Foi sem qualquer sombra de dúvida o melhor público que já toquei na vida. Pessoas interessadas em conhecer coisas novas, em celebrar a vida e a arte. Eu estou acostumado a ver as pessoas pirarem me ouvindo tocar Hendrix ou Floyd, mas ver as pessoas pirando no teu som é bom demais. Quando tu consegue tocar alguem com a tua música, tudo se encaixa. Tem o prazer de criar, lapidar, gravar, ensaiar. Mas o objetivo final é alcançar o ouvinte e tocar a alma dele. E isso é muito difícil de se fazer ao vivo, com música autoral. Principalmente quando se está tocando em bar. O público dos bares infelizmente não está interessado, salvo excessões, em conhecer som novo. Ele quer ouvir o Raul, a Janis, o Elvis, a Legião. Então quando o artista encontra um público que nunca te viu nem ouviu, mas que está sedento por conhecer o teu som, é sublime. Este ano creio que deva rolar uma abertura maior para as atrações locais e espero que tudo corra bem até lá e eu possa ter o prazer de subir mais uma vez naquele palco.

[Grito Coletivo] Você sempre esteve muito conectado e ativo nos principais movimentos musicais da cidade, continua engajado e qual a importância deste envolvimento do músico com a gestão?
[Tiago Constante] Eu penso que é fundamental no desenvolvimento do artista se envolver com o fazer cultural da sua cidade. Ajuda a compreender como o mercado funciona. Tem que meter a mão na massa e dar a cara a tapa. Depois disso o artista pode optar por continuar encabeçando e se envolvendo ou ficar mais na retaguarda. Lidar com poder público é muito difícil. Tudo tem um tempo e vontades estranhas e não lógicas (dentro da lógica do artista, claro) que acabam minando a vontade de fazer alguma coisa pela cena. Aqui em SãoChico temos uma fudeção (opa fundação) cultural que engessa todo o fazer artístico da cidade. Temos um conselho ficticio de cultura, não temos lei de incentivo à cultura. Isso dificulta bastante o diálogo com o poder público. Mesmo a Festilha, que deveria ser o principal palco para os nossos artistas, é uma palhaçada. Não tem um critério para escolha de quem vai tocar e o nome das bandas não sai na programação oficial. Ano passado até a última semana as bandas não sabiam que dia iriam tocar. Isso torna inviável uma divulgação decente para o público dos artistas francisquenses. Enfim, se formos botar na ponta do lápis todos os problemas gerados pela falta de comprometimento dos gestores públicos com a cultura São Chicana não sairemos nunca mais desta pergunta hehe (rindo pra não chorar).

Tiago no 2K Estúdio.
[Grito Coletivo] Você faz parte da geração de bandas/artistas que começaram a tocar no ano 2000, as coisas ficaram mais fáceis desde lá?
[Tiago Constante] Ficou mais fácil por um lado, com todas as tecnologias de gravação e meios de divulgação que as redes sociais nos trouxeram. Mas continua difícil atingir um público mais expressivo devido ao emburrecimento da grande massa, que consome o lixo que lhes empurram goela abaixo nas grandes mídias. E este acesso às grandes mídias continua restrito àqueles que se encaixam nessa pasteurização cultural que acontece desde sempre, mas que parece cada vez pior. Ou talvez eu esteja somente ficando velho e pense como meu bisavô pensava quando Chico, Gil, Caetano, Mutantes etc vieram quebrando paradigmas na cultura brasileira. Mas sem dúvida, hoje é muito mais fácil gravar uma música, um videoclipe com alta qualidade e divulgar entre os seus amigos e tocar as pessoas.

[Grito Coletivo] Qual a maior deficiência e a maior eficiência da música São Chicana?
[Tiago Constante] Acho que as maiores deficiências da música de São Chico são a falta de união entre os músicos, a falta de visão de uma cena mais coesa e mais comunitária, sem tantos egos e com mais profissionalismo; a falta de apoio por parte do poder público também dificulta as coisas, mas, se a cena fosse mais unida, eles não teriam como fechar os olhos e as coisas aconteceriam de outra maneira, como em Rio do Sul por exemplo. O que São Chico tem de bom, musicalmente falando, é a variedade de artistas que vêm se formando e cada vez mais enxergando a cadeia produtiva de outra forma, o que mantém a esperança de que um dia a cena realmente aconteça de forma mais organizada.

[Grito Coletivo] Ouvi por ai que já está em pré-produção um novo disco, é verdade?
[Tiago Constante] Sim, eu estou na reta final da pré-produção do meu segundo disco, que vai se chamar “Pedrada na Vidraça”. Pretendo em breve começar as gravações destas sete faixas, que virão com uma boa dose de realidade e caos. No “Das Antiga” eu levei as músicas para um lado mais lúdico, com canções de amor e um pouco de filosofia nas entrelinhas. Neste álbum vai ser tudo na cara do ouvinte. Só não vai entender o recado quem não ouvir. Sem meias palavras, nem papas na língua. Musicalmente falando, também vai ser um disco mais abrangente que o primeiro. Vou ter desde alguns sons mais funkeados, outras com um peso maior nas guitarras, algumas psicodelias e levadas mais progressivas. Nas letras, algumas abordagens mais bem humoradas e sarcásticas e outras totalmente desprovidas de humor, bem dedo na ferida. Estou bem curioso para ver o resultado desta nova jornada que está se iniciando agora e ainda deve levar pelo menos um ano para chegar aos ouvidos do público.

Frame da animação do clipe de Hoje não tem canção.
[Grito Coletivo] A fusão de blues/rock/surfmusic e estes elementos citados na pergunta nº2 ainda são o foco no seu trabalho?
[Tiago Constante] Como estava falando antes, neste disco haverá uma mudança de foco, mais voltado para os problemas que nós causamos a nós mesmos e ao planeta. Mas sempre terei como influências estes gêneros musicais e estes elementos. Muito provavelmente o meu terceiro disco será mais direcionado para esta estética. Eu tenho diversas canções prontas, só esperando ter o tempo e o dinheiro para virar um disco em homenagem ao mar e ao surfe, que são partes fundamentais de quem sou. Mas agora o foco está voltado para o ser ‘humano’.

[Grito Coletivo] Quais os objetivos para 2016?
[Tiago Constante] Gravar o Pedrada, dar aulas, tentar colocar este novo projeto também no palco. Espero que 2016 seja também um ano de muito estudo. Essa é uma das minhas metas para este ano. Melhorar minha performance e adquirir mais conhecimentos e diversos aspectos da música. Teremos também o NVTC em maio, que pretendo fazer parte desta celebração ao fazer artístico. E que seja um ano de muita música.
Gostaria de agradecer ao Grito Coletivo, do qual me orgulho de fazer parte como artista e como apoiador, e fazer votos para que os artistas da cidade possam enxergar melhor as engrenagens deste mercado musical, e ver que cada um por si se chega a um patamar, mas todos pela cena nos eleva a outro nível. Que 2016 seja um ótimo ano para a cultura São Chicana!!!



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